TINHO
VOCÊ É O QUE VOCÊ VESTE!
Texto: Fernanda Terra
11|11|23 - 09|12|23
“Você é o que você veste” é uma afirmação que ecoa no novo corpo de trabalhos do artista visual Tinho, e nos conduz a uma profunda reflexão sobre o complexo e multifacetado comportamento humano.
Nesta série notável, o artista vale-se da pintura a óleo para explorar as múltiplas camadas de significados por trás das vestimentas. Utilizando como base fotografias de campanhas publicitárias e livros de referência da moda, nos apresenta retratos esvaziados, ausentes de corpos, uma provocação que nos incita a questionar: nos espaços deixados pelos corpos, quem são as pessoas por trás das roupas? Como percebemos, interpretamos, imaginamos e nos relacionamos com essas imagens?
Ver não é algo isento, nos aponta o artista: “Diante de um corpo vestido e expressivo, não existe um olhar neutro ou desinteressado.” Há um campo de previsibilidades, padrões, comportamentos e, também, de lutas e resistências. Vemos através das lentes de nossas próprias experiências e contextos sociais, culturais, políticas, filosofias, crenças e muito mais. Vemos através de um corpo que se move e atua, com todas as camadas de conceitos e preconceitos, intenções, desejos, sonhos, afetos, desafetos, que aproximam ou nos distanciam. E o artista se pergunta: “Quem veste um terno Armani? Uma pessoa preta não pode vestir? Uma pessoa trans, uma mulher? Na pintura de um quimono, quem o veste: uma japonesa, um japonês ou qualquer identidade de gênero, etnia, cor ou raça?”.
Para ele, vestir-se, adornar-se, é um vir a ser, uma tentativa de autoexpressão e atuação no mundo. “A roupa nos coloca em uma situação de incorporar o que ela representa. É uma forma de camuflagem, uma estratégia, para dizer ao mundo como queremos ser vistos, percebidos e identificados.” É um campo de lutas e de afirmações de identidade que comunica valores, estilo de vida, etnia, raça, cor, cultura, gênero e sexualidade, reflete aspirações e atitudes pessoais — pensamentos, sentimentos e, também, o que dizemos, o que fazemos, como vemos, aonde vamos e o que vestimos — moldando nossas facetas da vida. Por sua vez, a moda, neste sentido, é uma ferramenta poderosa de empoderamento. Ela desafia estereótipos, subvertendo normas convencionais, mas, por outro lado, pode perpetuar desigualdades e preconceitos. Como o artista nos lembra: “Um simples acessório pode abrir ou fechar portas”.
Indo um pouco mais fundo nessas obras, Tinho também intenciona falar da sua própria experiência de ausência de corpo. Ele se recorda de uma infância e adolescência em que o racismo e o preconceito o impediram de encontrar suas próprias referências físicas e de identidade no mundo, como descendente de terceira geração de japoneses. Constantes piadas abusivas que o igualavam a todos os asiáticos, o fizeram sentir que todos que possuíam seu fenótipo e sua cor eram seus parentes, criando um sentimento misto de pertencimento e, ao mesmo tempo, de ausência de individuação e profunda solidão. “Já que sou diferente de todos, sou igual a todos.” Somente ao abraçar o movimento Punk, de excluídos da sociedade e, posteriormente o rock, a pichação, o graffiti, as ruas, os muros que passam a ter um sentido existencial de manifestação e individuação, e o skate, bem como a forma de se vestir dessas culturas urbanas, ele forja sua própria identidade, tornando-se a grandeza do artista que é hoje. A arte, para ele, é um instrumento poderoso que possibilita apontar para complexidade da vida, como um lugar de fala, para uma possível evolução humana, no mundo incerto, ambíguo e complexo em que vivemos.
Estas questões surgem na obra do artista em um momento crucial, em que as vozes das minorias se levantam e são validadas, e o tópico de identidade emerge como forma de resistência, afirmação, individuação, legitimação e expressão simbólica, social, política e cultural. Torna-se evidente que esta exposição não se trata de moda, de roupas e do vestir, mas é um lembrete provocativo das intricadas teias de construções sociais e significados que envolvem o vestir, o corpo e a construção de identidade. “Você é o que você veste” é um convite para desvendarmos as camadas mais profundas da nossa humanidade: a visibilidade e a invisibilidade do ser.
Fernanda Terra