MATEU VELASCO
PONTOCEGO
Curadoria: Rafael Fortes Peixoto
13|12|23 - 13|01|24
A vida passa. Diante de nós e através de nós. Sempre além do que somos capazes de entender. Hoje, perdidos no caleidoscópio das imagens descartáveis, carregamos olhares cansados de luzes e de ilusões, cada vez mais esvaziados pela obrigação contemporânea de compartilhar. A memória, conturbada pelas exigências diárias, repousa esquecida, subjugada à função de servir às ideias e aos ideais. O artista, entre os vazios daquilo que deixamos passar, enxerga a poesia das cenas perdidas na pulsação vital do convívio.
Esta exposição reúne a produção recente de Mateu Velasco a partir de exercícios do olhar que articulam estas imagens captadas nas pausas, nos momentos em que a visão se desvirtua do foco pragmático e ativa a percepção sensível do instante. Ao reunir estes registros, Mateu estampa nas telas camadas de superposição e de subtração que se transformam em crônicas dos encontros diários entre o homem, a cidade e a natureza, realidades do mundo moderno que a cidade do Rio de Janeiro representa.
Em sua trajetória artística, estes trabalhos refletem a intimidade e maturidade de Mateu com as ferramentas do fazer artístico e com seus processos de criação. Seu olhar investigativo utiliza o afastamento e a aproximação para aventurar-se do micro ao macro. Na composição, os fragmentos destas operações se superpõem e se complementam, trazendo o rastro de instâncias da criação que passam pela observação, pelo desenho, pelo digital e pelo estudo profundo das cores que se tornam matérias no ato sensual da pintura.
Entre os diversos atos da história da arte, Mateu Velasco mistura suas referências através de uma consciência que o liberta para agir através de sua sensibilidade, marcada pelo turbilhão contemporâneo e pela necessidade ainda moderna de se entender como indivíduo do seu tempo. Entre suas folhas, sementes, outdoors, grades, frutos e paisagens habita o descanso do olhar. Em seus tons harmoniosos, a esperança da coexistência. No momento suspenso, flagrado no ponto cego da vida diária, a beleza de ver diante e através de nós, a vida passar.
Rafael Fortes Peixoto
curador
Só é verdade aquilo que inventamos. Como uma ótica individual, a opinião apenas alimenta os debates necessários para evoluirmos como coletivo. É um exercício urgente em tempos de massificação da comunicação que apesar disso não cria espaço para nossas pequenas histórias pessoais e as sutilezas da sensibilidade do olhar.
Ponto cego é por definição um espaço que não conseguimos ver, algo que está fora do nosso raio de percepção visual. A nossa vida acontece entre frames ininterruptos e imperceptíveis, como em um filme. E nesse mundo, em franca aceleração, é difícil enxergar o que há entre os quadros. Aquilo que habita o nosso olhar quando piscamos o olho e que fica perdido nesse entre-imagens. Afinal, quantas imagens podemos achar em tempos / espaços limitados?
Para esta pesquisa encurtei o raio espacial para áreas que habito nos intervalos. Na pausa entre uma tarefa e outra, no ir e vir de algum lugar, no silêncio entre as conversas, existem vários espaços e tempos paralelos com suas próprias sutilezas e urgências. Nas plantas que se movimentam e se organizam, na água que corre por entre as pedras do rio, nas coisas desimportantes que alguém deixou para trás. Tudo isso está aqui, ali, invisível ao olhar dos que navegam olhando apenas para o mapa.
Os trabalhos criados para esta exposição são percepções deste espaço que habita o entre: A paleta de cor suave, mas complexa, presente no hiato entre os extremos do espectro cromático; A silhueta da forma e sua relação entre o real e o imaginário; O acaso resultante do conflito de uma urbanização crescente em contraste com a teimosia da natureza em seu incansável projeto de retomada; O futuro que projetado no presente colide com a memória do passado. Questões talvez desimportantes em meio a tantos assuntos importantes, mas cruciais ao exercício efêmero do viver.
Mateu Velasco