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ANGELA OD

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FINAL FANTASY
Curadoria: Ulisses Carrilho
junho/2019

Final Fantasy é uma tragédia final. Angela Od criou a alegoria da morte de seu personagem principal, O Cara da Espada, e une nesta mostra duas pesquisas: aquela do bordado e aquela do vídeo. Final Fantasy apropria-se do nome de um videogame para sublinhar o caráter narrativo do herói que protagoniza as pesquisas da artista. Muito embora intimamente presente no processo de produção dos bordados da artista, a mirada a processos digitais e fenômenos contemporâneos poderiam soar novidade àqueles que veem seus bordados narrativos. Esta exposição objetiva mostrar como as duas práticas constituem-se interligadas para a artista. Por meio de bordados e trabalhos em linha, lã e tecido, Angela tem investigado a repetição de personagens que ora remetem à Idade Média, ora à contemporaneidade. Pela primeira vez, no entanto, a artista mostra trabalhos em vídeo que utilizam-se da computação gráfica para narrar pequenos ciclos, fases e epopeias dos personagens que aparecem em suas tapeçarias.

 

A tapeçaria de Bayeux, imenso tapete bordado, datado do século XI, que descreve os eventos-chave da conquista normanda da Inglaterra por Guilherme II da Normandia, por exemplo, é frequentemente mencionada por Angela como uma de suas principais referências. Se nos trabalhos em bordado as menções à história da arte são mais diretas, os vídeos que investigam a tridimensionalidade e o desenho projetivo, por meio da computação gráfica, podem ser pensados à luz de produções como a de Harun Farocki ou do pesquisador brasileiro Arlindo Machado[1].

Para Farocki, se a fotografia liberou a pintura da ideia de realismo compulsório, as imagens computadorizadas poderiam então libertar o cinema de seu compromisso primeiro, mirando outras possibilidades. Antes de estudar pintura, a artista trabalhava com a computação gráfica para a criação de peças e vinhetas para meios de comunicação de massa. Se a tinta deixa de aparecer diretamente na prática de Angela, mantiveram-se preocupações com planejamentos, velaturas, composição e campos de cor — Od exercita um vocabulário de cores soturnas: pretos, bordôs, marinhos e vermelhos terrosos aliados a azulados, acinzentados e violetas. 

 

No pensar e no fazer de Angela, unem-se a linha dos contornos da imagem virtual à linha que legitimamente perfura o plano do tecido repetidamente para compor um bordado. Os módulos da talagarça são desenhos geométricos como os pixels low tech dos vídeo games. Embora anônimos, sem nomes próprios, os personagens existem, vivem jornadas e epopeias justamente porque foram criados pela artista — comumente se assemelham a amigos do círculo de convivência de Angela, que posam para uma sessão de fotos e criam um arquivo do qual parte para investigar a composição de seus trabalhos. Um vocabulário de poses é estudado por meio de montagens e impressões de colagens digitais. Pensado com o auxílio do computador, o bordado torna-se um desenho por vezes abstrato, em que as cores são trabalhadas em gabarito, uma a uma.  

 

O helenista francês Jean-Pierre Vernant, autor de inúmeras obras sobre a mitologia grega, interpreta toda a mitologia como uma oposição binária entre princípios, como masculino e feminino, bosque e lar, rua e casa. Em Final Fantasy, tal ponto de vista se afirma como possibilidade de demarcar uma narrativa menos binária, mais complexa. Numa colagem de referências, Angela Od opera de maneira concomitante no Paraíso, no Purgatório e no Inferno.

 

Ulisses Carrilho

curador

 

[1] Machinima é um termo criado pela junção das palavras inglesas machine [máquina], animation [animação] e cinema. Desde os primeiros filmes realizados em jogos digitais nos anos 1990, a noção de machinima vem sendo associada às convenções do cinema clássico como uma técnica de produção fílmica. Esses filmes são predominantemente produzidos com computadores pessoais, em oposição às grandes produções cinematográficas que usam softwares em 3D profissionais.

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